quinta-feira, 13 de maio de 2010

Dunga, para o mal e para o bem


por Felipe Carrilho

A convocação de Dunga para a Copa suscitou enorme polêmica, não apenas por causa da lista de jogadores selecionados, mas também pela postura do treinador durante a entrevista coletiva.

Tenho muitas críticas a fazer em relação às duas questões. Sobre a lista, por exemplo, embora goste do conceito de coerência, como a maioria das pessoas (torço), acho que Dunga o confundiu com o de conservadorismo em alguns momentos. Por mais que seja razoável manter uma base de confiança, nada explica a convocação de Kleberson, o jogador mais sortudo da história do futebol. Os seus feitos no longínquo ano de 2002 e seu frágil desempenho atual, tanto sob o comando de Dunga, como no seu clube, não o credenciam a ser considerado um “homem de confiança” de nenhum técnico. Não seria incoerente, nesse caso, trocar a indolência pela promessa representada por Paulo Henrique Ganso. Seria um ato de coragem. Outros nomes ou posições, como Júlio Baptista, Elano, Josué ou a lateral-esquerda, respectivamente, também poderiam ser alvo de questionamentos, menos graves, em minha opinião.

Em relação à postura de Dunga, as restrições se multiplicam. Desde a primeira pergunta (educadamente global, diga-se), passou a atacar toda a imprensa, sem demonstrar a frieza sugerida pelo cargo que ocupa. Com isso, ao invés de convencer a população das razões de seu projeto, acirrou as desavenças entre o torcedor e a seleção. Como disse o Maurício ontem – entre cervejas e cachaças – parece que o time é do Dunga, não do Brasil. Nada que faça com que a maioria dos brasileiros não torça pelo selecionado na Copa, claro. Mas agora – ainda mais – as pedras já estão nas mãos da crítica, antes mesmo de um possível fracasso.

Dunga cometeu, ainda, seus maiores deslizes quando se aventurou em temas que extrapolam as quatro linhas. “Minha mãe era professora de História e Geografia e me ensinou a ser patriota”, foi uma das infelizes frases que disse, e que ilustra muito bem o uso político que se pode fazer da seleção brasileira (e se fez muitas vezes na história) em momentos de Copa do Mundo. Mas a sua colocação mais nefasta foi aquela em que relativizou os malefícios da escravidão e da ditadura civil-militar para a história do Brasil: “não sei se foram ruins, eu não estava lá”. Num tempo em que o Supremo Tribunal Federal decidiu não punir os torturadores da ditadura, a frase do treinador é emblemática.

Entretanto, apesar de todas as críticas expostas aqui, gostaria de levantar um ponto positivo fundamental. Concordo com Dunga quando ele fala em sangue e suor. Não existe grande conquista sem sacrifício. Não só o fracasso da seleção de 2006 apontou para isso – o que o treinador não cansa de repetir – mas a recente eliminação do Corinthians na Libertadores foi um exemplo recente dessa sentença. Nas duas ocasiões, os elencos badalados e o comando "estratégico" dos treinadores mostraram-se insuficientes. É claro que não cabe suar nem sangrar pela pátria em uma Copa do Mundo (e talvez em nenhuma situação), mas para honrar uma das mais respeitáveis escolas de futebol, como a brasileira, é preciso vontade, gana e prazer. Dunga está prometendo todos esses ingredientes e esse é o maior acerto do treinador.

4 comentários:

  1. Eu concordo em relação ao Kleberson, e em relação ao Paulo Ganso, embora ainda tenha ressalvas pelo fato do Ganso ter sido medíocre na Copa do Mundo de base que disputou, e pelo fato de estar jogando como titular a menos de 6 meses.

    Discordo em relação ao Elano, e ao Júlio Baptista, pelo fato de ambos terem decidido diversas vezes quando jogaram. Decidiram muito mais jogos do que R80.

    Mas a questão, é que a relação entre Dunga e a imprensa é tensa desde o longínquo ano de 1990, quando se inventou a "era Dunga". Recordo que em 1994, ao levantar a taça, Dunga urrou: "Isto é para vocês, seus traíras!!!", se dirigindo à imprensa.

    Com relação ao fato de Dunga tratar a seleção como sendo dele, e não do Brasil, concordo. Mas o fato é que ele assumiu desde o princípio este risco, e a seleção realmente é dele - ele é o treinador, e ele que comerá o pão mofado que o diabo amassou caso fracasse.

    Em meu modesto sentir, a guerra entre Dunga e a imprensa existe, e este é o principal fator para a rejeição e a revolta com o trabalho do técnico. Basta analisar como é visto a competência do trabalho de Dunga pela imprensa estrangeira, para perceber que em terras tupiniquins Dunga é demonizado.

    Lá fora, ele é cotado para dirigir a Fiorentina e a Juventus.

    Estou preparando uma postagem sobre o mesmo assunto, e as suas linhas me ajudaram a completar o meu raciocínio.

    Saudações fraternas!

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  2. Eu li em algum lugar esses dias uma frase atribuída ao Millor Fernandes: "Coerente é aquele que tem sempre a mesma ideia". Cai de forma perfeita para o Dunga. Ele deve estar sonhando, desde que assumiu o comando da seleção, com o momento em que conquistará o hexa e gritará: "Mais uma pra vocês, seus traíras".
    Acho que a seleção que ele montou daria um belo time da Fiorentina ou da Juventus. Mas não da seleção brasileira. Eu não tenho nenhum problema em ser clichê: seleção pra mim tem que jogar muito. Comemorei aos montes o 0 x 0 contra a Itália em 1994, pois nunca tinha visto um campeonato mundial. Mas se fosse hoje, acho que seria diferente.
    Ontem vi trechos do Flamengo de Kléberson e os lances do Santos do Ganso. Realmente, o Dunga só consegue ter uma ideia.
    Abraços

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  3. Eu ressalto que possuo uma visão particular, muito voltada e critica sobre a atuação da mídia esportiva.

    Se for este espaço democrático (assim o sinto), deixo o texto para um debate acalourado:

    http://setepalmos.wordpress.com/2010/05/14/o-anao-demonio-e-o-quarto-poder/

    Saudações a todos

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  4. Dunga tem muitos argumentos para defender sua escalação. São bons jogadores, que já demonstraram funcionar em competições; disciplinados, fugindo da péssima imagem deixada pela última Copa; e de quebra é uma defesa da "ética", de valores como fidelidade, mérito, disciplina, seriedade e a tal coerência, tão importante para manter o equilíbrio da "Família Dunga". O técnico alega temer que a convocação de um jogador que - no seu modo de entender - não tenha se dedicado tanto quanto os que foram chamados, ou ainda, de alguém que não tenha "roído o osso" nos momentos de maior pressão possa criar descontentamento e desunião, comprometendo um dos pilares desse time que é a união entre seus componentes.
    São argumentos válidos.
    Até aqui podemos discordar da escalação reclamando da falta de talentos, de fantasia. Da seleção brasileira espera-se mais do que simplesmente vencer. Não se deve subestimar a força do imaginário que se formou em torno da seleção de Leônidas, Garrincha, Pelé, Rivellino, Zico. No mundo futebolístico, o Brasil representa alegria, arte, a excelência na prática do esporte. Em outras palavras, a seleção brasileira faz sonhar. Creio que superficialmente e principalmente aqui no noBrasil, a seleção já perdeu seu encanto sua capacidade de fazer sonhar. Somos críticos, com razão, do futebol praticado nos nossos campeonatos, dos jogadores aqui formados, e do futebol apresenado pela seleção, mesmo nas duas últimas conquistas. Há algum tempo sentimos que a tal fantasia não existe mais, que o encanto se foi.
    Mas não de todo. Acredito que todo brasileiro apreciador de futebol carregue em si um orgulho de ter sua seleção identificada como a melhor. Não queremos perder isso, gostamos dessa condição. E se quermos mantê-la, temos um compromisso sim com a técnica e com a fantasia não apenas com a vitória.
    Dunga está correto nas pretensões dele. Alcançar a vitória, mesmo com futebol burocrático, será reconhecido como sucesso, objetivo alcançado. Parreira e Felipão sabem disso. 99% dos técnicos e times brasileiros sabem disso. Ser conservador, apostar no alcançável é uma boa receita para o sucesso, mas a falta de ousadia não faz sonhar, não te transforma em mito.

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