sexta-feira, 10 de julho de 2009

Futebol musical


por Felipe Carrilho



Depois de assistir à vitória do Corinthians sobre o Fluminense, na última quarta-feira (8/7), lembrei-me de um artigo que li, há alguns anos, na saudosa revista Jazz+. O autor (cujo nome a minha memória etilicamente prejudicada não me permite lembrar) buscava defender o estilo bebop das acusações que, na época de seu aparecimento, o rotulavam de "música individualista" e "anárquica", no pior sentido do termo.

Privilegiando pequenos conjuntos, e promovendo uma verdadeira revolução rítmica – com o despontar de novas síncopas e imagens complexas no tempo –, o bebop proporcionou ao solista um destaque nunca pensado antes. O resultado foi o desenvolvimento de um fraseado anguloso, flexível e irregular, que exigia uma técnica instrumental muito apurada por parte do improvisador. Dizzy Gillespie e Charlie Parker foram os grandes precursores do movimento.

Essa espécie de primazia anárquica (no melhor sentido) do solista foi um dos principais pretextos utilizados pelos detratores do jazz para criticar a nova estética que surgia.

A resposta do crítico em questão, por outro lado, apresentava o bebop como um estilo de jazz caracteristicamente coletivo e harmônico. Segundo o autor, as condições determinantes para que o solista pudesse atingir a excelência em suas improvisações eram justamente o entrosamento entre os membros da chamada "cozinha musical" (baterista, contrabaixista e pianista) além, claro, da competência individual de cada um dos músicos. O resultado seria um som em que o esforço coletivo proporcionaria a melhor expressão da individualidade. Algo que alguns teóricos talvez comparassem com o que chamam, em política e sociologia, de "socialismo personalizante".

Não apenas concordo com o ilustre (e, aqui, anônimo) crítico, como acho que o futebol apresentado ultimamente pelo Corinthians edita, dentro das quatro linhas, a dinâmica musical do bebop. Mano Menezes montou um esquema tático em que o funcionamento, às vezes, perfeito de dez jogadores talentosos e entrosados possibilita a um solista fenomenal atingir o ápice de sua capacidade de improvisação futebolística.
Assim como a música do bebop, o futebol corintiano atual insinua, com sua prática coletivista e libertária, possibilidades de realização de utopias. Na era da massificação dos sons e da bola, a música popular e o futebol ainda são capazes de produzir demonstrações dissonantes de resistência. Basta querer ver e ouvir.

4 comentários:

  1. Muito bom o texto, bicho, parabéns. Ontem, percebemos que a orquestra fica sem ritmo quando não há uma boa cozinha, Willian e Chicão, no caso.
    Abraço

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  2. Valeu, hein. O time entrou desfilando ontem (igual ao Mano Menezes no proprama do Vovô corintiano).
    Abraço.

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  3. Caros, há tempos não vinha aqui - por descuido, mesmo, confesso.

    E, bem; fui presenteado. O Coringão é o próprio bebop! E, ainda assim, guarda aquela orquestração Dukeana, na minha opinião.

    Claro, voltamos a "estar bem" agora (escrevo após as vitórias sobre a moranguinho e sobre o Galo), com Jorge fazendo bem o papel de Dizzie, improvisando seus passos de dança mesclada com a incrível capacidade de encher as bochechas...

    E ainda falta gente nessa banda!...

    Abraço

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  4. Filipe,

    Sempre um leitor perspicaz... Obrigado pelos elogios.

    Que venham os músicos!

    Abraço.

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