segunda-feira, 11 de maio de 2009

A violência para além dos estádios (P.2)

por Renato Godoy

Conforme prometido aqui, publicamos abaixo a segunda parte da matéria originalmente veiculada no jornal Brasil de Fato sobre as medidas do governo federal para o combate à violência. A discussão tornou-se ainda mais propícia: as finais dos campeonatos estaduais passaram, sem quaisquer grandes indícios de violência. Porém, as medidas de elitização dos estádios estão mais rigorosas.
O maior exemplo disso é a atitude da diretoria do Corinthians. Mesmo com todo esforço para se passar como tão popular quanto sua torcida, a gestão Andrés Sanchez reajustou o preço em todos os setores do estádio do Pacembu. O corinthiano que for acompanhar o seu time contra o Fluminense na próxima quarta-feira, terá opções de R$ 30 a R$ 250. Como diria Andrés, isso é uma "sacanagem" que fazem com o corinthiano. Enfim, segue a matéria.

Elitização é sugerida por dirigentes
Brigas em setores mais caros desmentem associação entre pobreza e violência
Na esteira do pacote de medidas apresentadas pelo governo federal, dirigentes esportivos, cronistas e o próprio promotor Paulo Castilho aproveitaram para sugerir medidas de modernização nos estádios que acarretariam em encarecimento dos ingressos em troca de uma maior comodidade nas arenas.

“As coisas só irão melhorar quando todos os assentos forem numerados. Podem considerar isso como uma elitização do futebol. E, infelizmente, é”, admitiu o superintendente do São Paulo, Marco Aurélio Cunha, em um programa esportivo. O discurso do dirigente, também vereador pelo DEM na capital paulista, tem sido frequente entre formadores de opinião no âmbito esportivo. A elitização do esporte mais popular do país viria como consequência da modernização dos estádios e da busca de uma solução para a violência, segundo esse discurso.

Dois acontecimentos recentes no futebol paulista desmentem essa tese. Em uma partida entre Corinthians e Santos, na primeira fase do campeonato estadual, um tumulto foi iniciado entre torcedores corintianos das numeradas e dirigentes santistas que quase arremessaram uma placa de vidro contra os rivais.

Na semifinal entre Corinthians e São Paulo, os únicos tumultos registrados partiram de provocações e troca de tapas entre são-paulinos que estavam nos locais mais caros do estádios e os ocupantes das tribunas reservadas à diretoria alvinegra.

Na prática, o torcedor mais pobre já está sendo repelido pelo preço dos ingressos e pela forma como estes são vendidos (sempre em horário comercial). Tomando como exemplo os estádios onde jogam os quatro principais clubes do Estado de São Paulo – Morumbi, Pacaembu, Parque Antártica e Vila Belmiro – percebe-se que os locais com ingressos populares foram se restringindo.

Com exceção do Pacaembu, que pertence ao município, todos as outras três arenas firmaram recentes parcerias com a empresa de cartão de crédito Visa, criando um setor com assentos numerados em locais de visão privilegiada que outrora apresentavam os preços mais baratos. No entanto, a administração municipal foi a primeira a encarecer boa parte dos setores populares.

Pobreza e violência
De acordo com o sociólogo Mauricio Murad, essas leituras têm associado a pobreza à violência. “Mesmo que não seja consciente, essa associação parece que acontece, sim. O futebol é um dos maiores patrimônios de nossa chamada cultura popular e é isso que deve ser preservado, reforçando as nossas raízes históricas e sociais e combatendo todas as práticas de violência no mundo do futebol. Inclusive aquelas violências pouco citadas, como o racismo, o exclusão por gênero, por opção sexual e a exploração de dirigentes e empresários”, pontua.

Fim de organizadas aumentaria a violência, diz socióloga
A cada episódio de violência vinculada ao futebol, surgem opiniões na imprensa defendendo a extinção das torcidas organizadas. No entanto, a medida já foi experimentada em São Paulo e em nada alterou o quadro.

Em 1995, as torcidas do São Paulo e do Palmeiras protagonizaram a cena mais violenta da história do futebol brasileiro. Após uma partida entre juniores das duas equipes, os espectadores invadiram o gramado do Pacaembu e confrontaram-se com paus e pedras, vitimando um torcedor são-paulino.

Com a comoção em torno do caso, o promotor público Fernando Capez, hoje deputado estadual pelo PSDB, pediu o fechamento da Mancha Verde (do Palmeiras) e da Independente (do São Paulo). Os episódios de violência não cessaram, tal como a atividade das torcidas, que ressurgiram com pequenas alterações em seus nomes.

Pertencimento
Para a socióloga Heloísa Reis, ao extinguir essas agremiações, o Estado está desistindo desses jovens. “Não concordo com o fim das torcidas organizadas. A sociedade brasileira hoje se caracteriza pela falta de participação política, sobretudo dos jovens. Nas torcidas organizadas, há uma juventude masculina que atua. Se acabarem com estas entidades, virará um caos. O Estado perde o controle sobre esses jovens”, acredita a socióloga, que propõe uma maior aproximação entre as torcidas e as universidades para desenvolver programas educativos.

Augusto Juncal, do coletivo Rua São Jorge dos Gaviões da Fiel, atesta que, sem uma direção, muitos torcedores estariam mais predispostos a brigar. “Muitas ações violentas são evitadas porque há uma organização, uma diretoria que segura. Por exemplo, no confronto entre a torcida do Corinthians e a polícia no jogo em que perdemos pro River Plate [na Taça Libertadores, em 2006], se não fosse a atuação da diretoria, poderia ter ocorrido um massacre. O povo tava cego e a diretoria tirou eles de lá. Muitas vezes estamos caminhando para o estádio e alguns querem desviar o caminho para 'pegar' adversários. E a gente não deixa”, exemplifica.

Para o torcedor, os jovens, quando ingressam numa torcida organizada, buscam ser ouvidos e o sentimento de pertencimento. “A maioria de nós não pode ser sócio de um clube, nem do Corinthians, porque não temos 50 paus por mês para pagar a mensalidade. É uma questão de pertencimento. Os ricos têm essa sensação de pertencer a um clube luxuoso, ele usa isso como modo de estar na sociedade. E nós também, somos os Gaviões”, define.

3 comentários:

  1. Muito bom o balanço da questão. O mais lamentável é a direção do Corinthians, de alguma forma, liderar a elitização do futebol.

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  2. Pois é, pelo jeito os caras estão desesperados para arrumar dinheiro. Mas onerar o torcedor dessa forma é uma tentativa de destruir o caráter popular do Coringão.

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  3. O anão diz que "só vai melhorar quando numerar os assentos" e a reportagem tira totalmente a razão dele.
    O senso comum diz que a violência está na pobreza e no entanto ela começa na iniqüidade que assola esse país desde 1500, quando criaram a Casa Grande e conseqüentemente a Senzala.
    O mesmo senso comum diz que a violência no futebol é culpa das Organizadas, e quem vive isso, vai aos jogos, à Quadra, vê justamente que só não há violência enquanto há Liderança (excessão feita aos da rua 24, que usam calcinha/tapa-sexo no umbigo).

    O povo acredita no senso comum, a "verdade" vem mastigada e os erros continuam. E a sociedade deixando cada vez mais de ser uma sociedade.

    Valeu pelo texto!

    E as barricas é nesse sábado!

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