segunda-feira, 9 de março de 2009

A magia romântica de Ronaldo

por Felipe Carrilho




Um dos gols de Ronaldo que mais me impressionou foi o que ele converteu na copa de 2006, contra a seleção de Gana. O jogador foi lançado pelo meio da defesa, avançou sozinho e, quando estava cara a cara com o goleiro, pedalou com a perna direita, mas com a esquerda limpou o arqueiro e empurrou para as redes.

Num primeiro momento, parece não haver nada de tão especial no lance descrito. No auge de sua carreira, Ronaldo protagonizou jogadas aparentemente mais geniais, como aquele gol da época em que atuava pelo Barcelona, quando arrancou do meio de campo driblando meio time adversário.
O que chamou a minha atenção, porém, foram as circunstâncias em que Ronaldo realizou a jogada contra os ganenses, além, claro, da plasticidade do drible. Visivelmente fora de forma no mundial, o jogador, ainda assim, foi responsável por boa parte dos poucos momentos de brilho daquela desastrada seleção. Com alguns quilos acima de seu peso ideal, sem a agilidade e a velocidade costumeiras, mesmo assim Ronaldo aplicou um drible mágico no goleiro.

Se definirmos magia como qualquer procedimento ou efeito que pareça inexplicável ou fantástico, entenderemos melhor a beleza da jogada em questão. No momento da definição do lance, não apenas a perna destra de Ronaldo pedala para a direita, mas todo o seu corpo pedala junto, ou quase todo, pois a perna esquerda, escamoteada, já está levando a bola para o outro lado, de maneira quase imperceptível, num movimento ilusório, inexplicável, mágico. Qualquer outro goleiro ficaria como ficou o de Gana, caído sentado.

A atuação de Ronaldo no clássico de domingo entre Palmeiras e Corinthians me fez lembrar desse lance. Ainda mais pesado do que há três anos, e sem ritmo de jogo, o Fenômeno só não fez chover, na escaldante Presidente Prudente. Correu, driblou, meteu um "canudo" na trave e fez o gol do empate do Corinthians aos 47 do segundo tempo. As cenas do atacante com os torcedores corintianos derrubando o alambrado são emocionantes e ilustram muito bem a grandiosidade do acontecimento.

Ronaldo foi mágico nesse jogo. Mas, apesar do gol e de sua comemoração, o lance de maior magia, para mim, se deu numa jogada pela ponta esquerda corintiana: Ronaldo está com a bola protegida, em direção contrária ao ataque, com um zagueiro palmeirense em seu calcanhar. Com o corpo inclinado para frente, Ronaldo puxa a bola para trás e gira, deixando o defensor alviverde em desvantagem na corrida. Ele avança e cruza na medida para André Santos cabecear, e o goleiro Bruno fazer uma bela defesa.

Como pôde Ronaldo, estando bastante acima do peso, sem ritmo de jogo e longe de sua velocidade habitual ter aplicado um drible simples como aquele, chegando na frente do zagueiro na jogada? Se Souza, por exemplo, tentasse a mesma finta, muito provavelmente seria travado pelo defensor. A resposta está nos truques que as pernas de Ronaldo desenham, na destreza de seus movimentos que, na atual lentidão de suas execuções, ainda é capaz de ludibriar e assombrar.

Ainda há espaço, no futebol contemporâneo, para expressões de verdadeiro talento. Há quem diga que Garrincha, ou mesmo Pelé, não jogariam tão bem, se atuassem hoje, por conta do forte preparo físico dos marcadores e da velocidade com que o futebol é praticado atualmente. No domingo, Ronaldo demonstrou o contrário, desfilando um futebol mágico que, pela precisão vagarosa de seus gestos, lembrou uma época romântica desse jogo tão popular.

3 comentários:

  1. Valeu, Ronaldo. Parabéns e obrigado pela arte do blog.
    Abraço.

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  2. Realmente aquele foi um gol fantástico, dadas as condições físicas do Ronaldo de 2006. Desde que ele chegou no Corinthians, venho dizendo que se ele jogar como na Copa de 2006, terá sido uma grande contratação. Muito bom o texto.

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