domingo, 1 de março de 2009

Futebol e cidade: o Nacional Atlético Clube no jogo da história*

por Felipe Carrilho e David Sampaio

A história do futebol é uma triste viagem do prazer ao dever. Eduardo Galeano







Clube da 3ª divisão paulista exemplifica as contradições da urbanização da cidade e da profissionalização do futebol
A simples narrativa de fatos e anedotas que pontuam a trajetória de um clube de futebol pode despertar pouco interesse científico. O futebol se torna um tema de maior alcance, no entanto, quando entendido como uma espécie de janela privilegiada para a observação da dinâmica de uma determinada formação social. Desse modo, o percurso do Nacional Atlético Clube está relacionado às transformações verificadas em São Paulo (SP) e no bairro da Água Branca, desde meados do século 19.

A antiga estrada-de-ferro São Paulo Railway, depois Santos-Jundiaí, inaugurada em 1867 é parte fundamental da história da cidade e está diretamente ligada ao clube em questão. Sua implantação permitiu o rápido escoamento da produção cafeeira do interior do Estado e preparou o terreno para a futura industrialização da capital. A segunda metade do século 19 é, assim, marcada pelo desenvolvimento paulistano patrocinado pela pujante economia cafeeira, em muitas dimensões e com diversas consequências. No campo cultural, podemos mencionar a presença da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. No plano arquitetônico, a partir de concepções higienistas, destaca-se uma profunda urbanização da cidade.
Uma das regiões que vivenciou um crescimento nesse período foi a então pouco povoada Água Branca. Caracterizado como um local de passagem de tropeiros, o bairro foi escolhido para a construção de uma estação de trem da São Paulo Railway no mesmo ano da inauguração da estrada-de-ferro. Sua implantação permitiu a formação de um pequeno núcleo urbano, habitado principalmente por funcionários da ferrovia. Anos mais tarde, um novo impulso populacional se daria com a chegada das indústrias que também se instalaram na região, beneficiando-se da praticidade de estar ao lado da estrada-de-ferro e dos baixos preços dos terrenos.

Origem operária

No dia 16 de fevereiro de 1919, funcionários da São Paulo Railway organizaram um time de futebol com o nome e o apoio da própria companhia, que ficou conhecido pelas iniciais SPR. Nascia, assim, o futuro Nacional Atlético Clube. Ao lado de outros times de origem fabril, tais como o Juventus, o SPR representou uma oportunidade para setores menos favorecidos da sociedade – entre negros e operários – ocuparem espaço nas equipes de futebol, o que, de certa forma, popularizou a sua prática, até então um privilégio das elites.

O ano de 1938 foi fundamental para a trajetória da entidade. No dia 14 de maio inaugurou-se o seu estádio, com uma partida entre o SPR e o Corinthians. O jogo terminou com o placar de 2 a 1 para os visitantes. A arena da rua Comendador Souza recebeu o nome do uruguaio Nicolau Alayon, dirigente do time e um dos seus maiores entusiastas. Com capacidade para 11 mil pessoas, é a única no Brasil a homenagear um estrangeiro. O aparecimento de estádios na capital é emblemático para entendermos o sempre contraditório “jogo histórico”, em que, nesse caso, as trajetórias do futebol e da cidade se sobrepõem. Ou seja, ao passo que, com as crescentes industrialização e urbanização de São Paulo foram sendo construídos os estádios de clubes particulares (Morumbi, por exemplo) ou do poder público (Pacaembu), em áreas que se tornaram referencial para o desenvolvimento de grandes bairros residenciais, o espaço lúdico, palco dos campeonatos de várzea, por outro lado, sucumbia. Convém lembrar que no vale do ribeirão Pacaembu existiam muitos campos de várzea, os quais desapareceram com a construção do estádio municipal.

Profissionalização

Ainda no decorrer dos anos de 1930, clubes como Corinthians, Palmeiras e o próprio Nacional viveram o fenômeno da profissionalização do futebol. Ao mesmo tempo em que a cidade atravessava um processo “modernizador”, no qual o espaço urbano se afeiçoava cada vez mais à impessoalidade das relações financeiras, o futebol, antes praticado nas várzeas e animado pela simples alegria do jogo, foi gradualmente se aliando ao frio pragmatismo, se profissionalizando.

A concessão da São Paulo Railway terminou em 1946 e o clube foi rebatizado com o atual nome, Nacional Atlético Clube. Sua primeira partida com nome e uniformes novos foi um amistoso contra o Flamengo. Em um Pacaembu lotado, jogando o primeiro tempo como SPR e o segundo como Nacional, o time acabou perdendo por 4 a 2.
A trajetória do Nacional – modesta se comparada a dos grandes clubes do Estado – está vinculada de modo peculiar à modernização do esporte e da cidade, ilustrando, assim, os antagonismos e desigualdades presentes na transição de nosso futebol, do amadorismo ao profissionalismo, e na consolidação de São Paulo como a “cidade que mais cresce no mundo”. Atualmente, o clube disputa a série A3 do Campeonato Paulista. A posição pouco expressiva que ocupa no cenário futebolístico não deixa de representar as tristes contradições de ambos os processos. É o jogo da história.

*Texto originalmente publicado no jornal Brasil de Fato em outubro de 2008.

3 comentários:

  1. Parabéns. O blog ficou ótimo. O visual, a ilustração. tudo muito muito bom. Muito bom também saber do percurso em que a história da cidade e do próprio futebol se entrelaçam. Queremos mais posts como esse. Avante!

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  2. Amigo,

    minha tese na faculdade é exatamente sobre isso, futebol e cidade. Inclusive, ao falar do Juventus, eu acabo citando o Nacional. Legal o texto.

    Abraços

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  3. Bacana, bicho. Já vi você lá no prédio da História. Tese de mestrado? Depois vou querer ler.
    Abraço.

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